sexta-feira, abril 26, 2013

Desconforto

Enquanto "guineense na diáspora", modéstia à parte, os meus 48 anos de ausência somados aos 4 anos de permanência no solo pátrio devem garantir-me este epíteto... tenho por vezes uma visão distorcida dos eventos qe pontuam a actualidade Bissau-guineense. E é com "estes olhos uns que vejo no mundo escolhos onde outros, com outros olhos, não vêem escolhos nenhuns" (António Aleixo)
Cito o poeta Aleixo, não para dar um toque de erudição popular mas, sim, para me socorrer das suas palavras para ilustrar as minhas ideias.

Têm os mass-media internacionais dado grande relevo à captura e expatriamento do contra-almirante José Américo Bubo Na Tchuto para os USA, acusado de associação criminosa para prática de narcotráfico, tráfico de armas para organização terrorista, etc.; e também à acusação do  Presidente de transição, Manuel Serifo Nhamadjo, do Primeiro-Ministro Dr. Rui de Barros e do CEMFGA general António Indjai e alguns membros do executivo de transição de malfeitorias  quejandas enquanto cúmplices do primeiro acima citado.

Como seria de esperar todos negam o seu envolvimento em actividades ilícitas,  alegam inocência e apressam-se a solicitar provas do seu envolvimento nas acções de que são acusados e sustento destas por parte da justiça Norte americana et al..

Erro crasso, em meu entendimento, se acusado injustamente o primeiro passo deveria ser comprovar  a proveniência de cada cêntimo do erário pessoal, demonstrando assim que o ganhara de forma lícita; depois constituir um representante legal a fim de na Justiça defender urbi et orbi a sua inocência; e finalmente intentar uma acção judicial por difamação contra os acusadores. Mas este tipo  de comportamento só funciona se a  consciência estiver tranquila...

Ora bem é aqui que "a porca torce o rabo", na distribuição de atribuições entre os diferentes "players" deste imbróglio governativo, político, económico, financeiro e social em que a República da Guiné-Bissau se encontra. Dois governos, forças armadas desavindas e descoordenadas, políticos dissonantes e discordantes que discutem questões pessoais que se sobrepõem à discussão de ideias e programas; partidos residuais minoritários que se catapultaram para o governo, sem suporte eleitoral mas "cavalgando" o golpe de estado e dando-lhe "cobertura" política; bloqueio internacional ao governo de transição imposto pela CEDEAO -estrutura regional da UA- e não reconhecido pela maioria da comunidade internacional, UA incluída,  por ser apoiado/liderado/"de iniciativa" pelos/dos putchistas de 12 de Abril de 2012, ubiquidade por esclarecer.

A missão do Governo é exercer o poder EXECUTIVO, fazer e implementar a Lei do Orçamento de Estado, promover a feitura de Leis, em suma governar o país,  as Forças armadas, subjugadas ao poder politico,  os tribunais, órgãos de soberania e as Polícias com o  poder JUDICIAL; e ser supervisionado pelo Parlamento e Presidência da República através do poder LEGISLATIVO. Grosso-modo, num estado de direito semi-presidencialista, com algumas nuances é mais ou menos assim que as coisas se processam.

Nas condições em que o Estado se encontra neste momento, não consegue cumprir cabalmente nenhum dos pressupostos que seria suposto cumprir enquanto tal e a passos largos dirige-se para a a inevitabilidade de passar de ESTADO FALIDO a  ESTADO FALHADO... passando pelo desconforto de ser considerado entrementes NARCOESTADO/ESTADO TERRORISTA, epíteto que não ajuda nada um estado que depende quase exclusivamente da ajuda externa para suprir as necessidades mais básicas e elementares dos seus cidadãos.

A adir à situação do país há a considerar o elevado número de cidadãos guineenses a braços com a justiça, em áfrica, na europa e américas devido ao tráfico de estupefacientes o que, aos poucos, acarreta o estigma de narcotraficante "colado" à nacionalidade/naturalidade do indivíduo, mesmo antes de aferida a sua culpabilidade e apesar da suposta e propalada presunção de inocência.

O tempo,energia e vidas desperdiçados em questões de lana caprina que em nada beneficiam o país, pelo contrário bastante prejudicam a sua imagem e o seu funcionamento enquanto estado, poderiam/deveriam ser aproveitados em fomentar a situação tida como ideal pelos que tomaram o poder e a responsabilidade de governar o país em Abril de 2012 rumo a uma "transição", ainda muito mal explicada, uma vez que não seria expectável que os que foram depostos/rechaçados do poder pelo "putch" de Abril colaborassem na persecução de objectivos que não eram/são os seus.

A posição da dita Comunidade Internacional também não é muito confortável pois desde o apoio implícito inicial da China, França e USA ao putch e ao governo de transição dele resultante, até à actual situação de guerra aberta à liderança militar bissau-guineense por, alegadamente, atentar contra interesses e vidas norte americanas via narcoterrorismo, demonstram claramente a instabilidade dos apoios externos à República da Guiné-Bissau e ao seu desenvolvimento enquanto estado-nação por parte daqueles estados, mais virados para a sua política interna e interesses geo-estratégicos de momento. Por outro lado a CEDEAO também não fica bem na fotografia pois da contradição inicial de criticar o golpe de estado e a interrupção do processo eleitoral para a presidência da república ao pactuar de seguida com os putchistas e nomear um governo de transição de sua iniciativa com o beneplácito dos militares revoltosos, não contribuiu para uma pacificação da situação que se manteve/mantém numa "guerra fria"  intestina latente  e se consubstanciou objectivamente num não reconhecimento das autoridades por si nomeadas pela maioria da Comunidade Internacional e um bloqueio económico-financeiro com reflexos sociais no país.