sábado, outubro 24, 2020

Posicionar África no contexto mundial

A recente reunião do G-20 e as palavras do presidente Emmanuel Macron em resposta à pergunta de Philippe Couhon, jornalista Costa Marfinense, sobre "como pode o Ocidente "salvar" África?", relançaram uma questão antiga e polémica, a saber: Como se revêem os Africanos e como idealizam África no contexto mundial.

É  certo que África, como os demais continentes é heterogénea, logo ser Africano no Magreb difere de ser Africano na África subsaariana Ocidental, Oriental, Central ou Austral, e dentro de cada uma destas regiões há a considerar idiossincrasias e especificidades múltiplas de âmbito étnico, cultural, histórico, político, administrativo, religioso, ambiental, etc.

 Isto dito e considerando a África como um todo recai sobre as suas populações o estigma da escravatura que entre os séculos XVI e XIX incidiu com maior preponderância sobre o Continente e relegou parte das suas populações a uma condição sub-humana em termos sociais em relação às populações Europeia e Americana europeia-descendente no contexto mundial.

A Conferência de Berlim (1884-1885), fixou zonas de influência de cada potência europeia em África estabelecendo regras para a "corrida a África", desconsiderando os interesses e direitos das populações autóctones subjugadas pelo poderio militar europeu, estabeleceu fronteiras e renomeou regiões no continente.

Deu-se inicio ao período das grandes "expedições europeias em África" e através delas à colonização dos territórios e constituição dos "Impérios Coloniais Europeus".

Radica aqui o busílis da questão.

Por um lado o novo Homem-Africano, globalizado, educado, "ocidentalizado" por séculos de tentativas de aculturização por parte do colonizador, integrado num mundo  em que prevalece a "vitória do Ocidente", tem dificuldade em viver e conviver com um passado recente de subordinação ao "ser superior" detentor-maior da tecnologia e do saber;

Com as independências pós-segunda guerra mundial (1939-1945), em regra mantiveram-se as fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim (1884-1885), isto é, manteve-se o status quo;

Por outro lado ocorreu miscigenação das populações, sobretudo em meios urbanos, criando uma separação entre um meio urbano ocidentalizado e um meio rural mais tradicional mas, visto como primitivo pelos citadinos. Desta assimetria social resultaram desequilíbrios demográficos, .económico-sociais e culturais em  todo o continente que não foram resolvidos com as independências.

No capítulo económico-financeiro África, aos olhos do mundo tem sido vista como uma fonte de matérias-primas. Primeiro como fonte de mão-de-obra escrava e de minerais para o Ocidente e Médio-Oriente, depois como fonte mão-de-obra barata, de minerais e combustíveis fósseis maioritariamente e de recursos alimentares em menor escala, e.g. peixe, café, cacau, amendoim, frutos tropicais,, coconote, arroz, milho, mandioca, etc., e turismo. Em suma uma fonte de recursos naturais. Com as independências, mudando-se os atores políticos, mantiveram-se as premissas de exploração dos recursos naturais que vinham do período colonial, raramente em proveito das populações... muitas vezes em proveito de uma clique no poder ou na sua órbita.

Em suma, África, aos olhos do mundo continua a ser um continente "terceiro mundista", mal governado onde prevalece a corrupção, pois os corruptores encontram aí campo farto para aplicar as suas "jogadas", tendencialmente prejudiciais à maioria mas altamente proveitosas para os corrompidos que, sem escrúpulos, se alcandoram a benefícios pessoais obtidos à custa do mal-estar comum. Nenhum país Africano pós-independência  é autossuficiente em termos alimentares, económicos, políticos, sociais ou ambientais. No entanto, em todos eles encontramos milionários... embora os países se encontrem sistematicamente em lugares distantes dos cimeiros da lista de IDH da ONU. 

Voltando à pergunta feita ao presidente francês pelo jornalista costa marfinense, fica implícita a culpabilização do Ocidente (França, no caso) relativamente ao "salvamento" de África... sendo que é ocidental a localização maioritária dos corruptores e é no ocidente que os corrompidos aplicam os proventos da sua corrupção.

O curioso nesta questão é que Frantz Fanon nos anos 50 do século XX já antevia a evolução dos novos países africanos com a substituição do colono europeu por uma elite negro-africana que emularia o estilo de vida do colono, resultante do impacto da escravidão transatlântica/transpacífico-indica e local nas sociedades pós-coloniais. "Pele negra, máscaras brancas", 1952. 







Sem comentários: