sábado, outubro 24, 2020

Nós os Guineenses

Numa altura conturbada da vida na República da Guiné-Bissau, em virtude das vicissitudes inerentes ao processo eleitoral em curso, cabe recordar a vida que existe para lá da vida pública e muitas vezes ao arrepio daquela e dos seus "players".

A sociedade bissau-guineense, jovem, pujante de vida e vontade de viver vai-se edificando nas diversas áreas da cultura e do desporto, mau-grado as agruras do quotidiano serem um "hazard" que noutras latitudes levariam a estádios depressivos, de negativismo e desesperança.

Posto isto, passo ao que me trouxe aqui.

Venho dar fé de uma Guiné-Bissau positiva, que se revela ao mundo em todo o seu esplendor, multi-cultural, multi-étnica,  multinacional, pan-africana. Enfim, Homens e Mulheres que pelo seu engenho e a sua arte revelam o melhor de si, de nós e relevam o que de menos positivo possa ocorrer na Pátria-mãe aos olhos do mundo.

Não conheço todos os meus compatriotas, pelo que, desde já, peço desculpa aos que faltarem como exemplo e disso fossem merecedores, não serão menos que os mencionados, apenas a minha ignorância da sua gesta os isenta de referência.

Começo por Sidney Cerqueira & Karina Gomes, casal de Artistas que na Pintura, ele, no canto, ela têm prestigiado a Guiné-Bissau por esse mundo fora;

Luís Barbosa Vicente, Gestor/Economista/Politólogo/ Escritor/Promotor de arte/Editor...  nas várias áreas da cultura, da sociedade e da política, este jovem agiganta-se pela sua polivalência, muita competência e humildade.

A banda Tabanka Djaz, Micas Cabral, Juvenal Cabral e Jânio Barbosa, embaixadores musicais da Guiné-Bissau a nível planetário há mais de 30 anos.

Amélia Costa Injai, Activista social, Mulher, Mãe, Comunicóloga, uma referência cívica, uma voz a escutar pelo que tem a dizer e sempre pronta a lutar pelos ideais que defende e por uma Guiné-Bissau melhor.

António Soares Lopes, homem de letras e da comunicação, um dos mais conhecidos escritores Bissau-guineenses, pioneiro nestas andanças.

Domingos Manuel Pereira, Engenheiro, administrador de empresas, apolítico, patriota low-profile mas cujo contributo para uma Guiné-Bissau melhor, mais justa e equalitária, como demonstrou na Cicer ao fornecer água e electricidade aos bairros limítrofes quando as empresas estatais responsáveis por esse abastecimento o não conseguiam fazer.

Fortunato de Barros, Médico Urologista, com a sua ONG "Saúde Sabe Tene", numa meritória e altruísta ação cívica em prol da saúde na Guiné-Bissau, com sucessivas missões sanitárias no país, milhares de intervenções com as equipas de saúde que até lá conduziu e equipamento que aí deixou.

São apenas alguns exemplos de como gente de bem pode dar do país uma imagem positiva no estrangeiro.

Bem hajam todos os que, como estes, elevam o nome da Guiné-Bissau no mundo.


Posicionar África no contexto mundial

A recente reunião do G-20 e as palavras do presidente Emmanuel Macron em resposta à pergunta de Philippe Couhon, jornalista Costa Marfinense, sobre "como pode o Ocidente "salvar" África?", relançaram uma questão antiga e polémica, a saber: Como se revêem os Africanos e como idealizam África no contexto mundial.

É  certo que África, como os demais continentes é heterogénea, logo ser Africano no Magreb difere de ser Africano na África subsaariana Ocidental, Oriental, Central ou Austral, e dentro de cada uma destas regiões há a considerar idiossincrasias e especificidades múltiplas de âmbito étnico, cultural, histórico, político, administrativo, religioso, ambiental, etc.

 Isto dito e considerando a África como um todo recai sobre as suas populações o estigma da escravatura que entre os séculos XVI e XIX incidiu com maior preponderância sobre o Continente e relegou parte das suas populações a uma condição sub-humana em termos sociais em relação às populações Europeia e Americana europeia-descendente no contexto mundial.

A Conferência de Berlim (1884-1885), fixou zonas de influência de cada potência europeia em África estabelecendo regras para a "corrida a África", desconsiderando os interesses e direitos das populações autóctones subjugadas pelo poderio militar europeu, estabeleceu fronteiras e renomeou regiões no continente.

Deu-se inicio ao período das grandes "expedições europeias em África" e através delas à colonização dos territórios e constituição dos "Impérios Coloniais Europeus".

Radica aqui o busílis da questão.

Por um lado o novo Homem-Africano, globalizado, educado, "ocidentalizado" por séculos de tentativas de aculturização por parte do colonizador, integrado num mundo  em que prevalece a "vitória do Ocidente", tem dificuldade em viver e conviver com um passado recente de subordinação ao "ser superior" detentor-maior da tecnologia e do saber;

Com as independências pós-segunda guerra mundial (1939-1945), em regra mantiveram-se as fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim (1884-1885), isto é, manteve-se o status quo;

Por outro lado ocorreu miscigenação das populações, sobretudo em meios urbanos, criando uma separação entre um meio urbano ocidentalizado e um meio rural mais tradicional mas, visto como primitivo pelos citadinos. Desta assimetria social resultaram desequilíbrios demográficos, .económico-sociais e culturais em  todo o continente que não foram resolvidos com as independências.

No capítulo económico-financeiro África, aos olhos do mundo tem sido vista como uma fonte de matérias-primas. Primeiro como fonte de mão-de-obra escrava e de minerais para o Ocidente e Médio-Oriente, depois como fonte mão-de-obra barata, de minerais e combustíveis fósseis maioritariamente e de recursos alimentares em menor escala, e.g. peixe, café, cacau, amendoim, frutos tropicais,, coconote, arroz, milho, mandioca, etc., e turismo. Em suma uma fonte de recursos naturais. Com as independências, mudando-se os atores políticos, mantiveram-se as premissas de exploração dos recursos naturais que vinham do período colonial, raramente em proveito das populações... muitas vezes em proveito de uma clique no poder ou na sua órbita.

Em suma, África, aos olhos do mundo continua a ser um continente "terceiro mundista", mal governado onde prevalece a corrupção, pois os corruptores encontram aí campo farto para aplicar as suas "jogadas", tendencialmente prejudiciais à maioria mas altamente proveitosas para os corrompidos que, sem escrúpulos, se alcandoram a benefícios pessoais obtidos à custa do mal-estar comum. Nenhum país Africano pós-independência  é autossuficiente em termos alimentares, económicos, políticos, sociais ou ambientais. No entanto, em todos eles encontramos milionários... embora os países se encontrem sistematicamente em lugares distantes dos cimeiros da lista de IDH da ONU. 

Voltando à pergunta feita ao presidente francês pelo jornalista costa marfinense, fica implícita a culpabilização do Ocidente (França, no caso) relativamente ao "salvamento" de África... sendo que é ocidental a localização maioritária dos corruptores e é no ocidente que os corrompidos aplicam os proventos da sua corrupção.

O curioso nesta questão é que Frantz Fanon nos anos 50 do século XX já antevia a evolução dos novos países africanos com a substituição do colono europeu por uma elite negro-africana que emularia o estilo de vida do colono, resultante do impacto da escravidão transatlântica/transpacífico-indica e local nas sociedades pós-coloniais. "Pele negra, máscaras brancas", 1952.